Operação iceberg Tijucas – AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 0900032-22.2017.8.24.0072/SC

Poder Judiciário
JUSTIÇA ESTADUAL
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
2ª Vara Cível da Comarca de Tijucas

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AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 0900032-22.2017.8.24.0072/SC

 

AUTORMINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RÉUEDER MURARO

RÉUSERGIO MURILO CORDEIRO

RÉULUIZ ROGERIO DA SILVA

RÉUJOSE ROBERTO GIACOMOSSI

RÉUDJONATHAN DESIDERIO

RÉUSEBASTIAO CARLOS DOS SANTOS

RÉUPHD CONSULTORIA E ASSESSORIA NA ADMINISTRACAO PUBLICA LTDA

RÉUCARLOS EDUARDO SCHEOPPING SANTOS

RÉURICARDO AUGUSTO PINHEIRO

RÉUADEMILSON PAULINO SOARES

RÉUIDEIA TREINAMENTO NA ADMINISTRACAO PUBLICA LTDA

RÉUV&V VEREADORES & VEREADORAS DO BRASIL LTDA

RÉUGUILHERME SCHEOPPING SANTOS

DESPACHO/DECISÃO

Trata-se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra EDER MURARO, SÉRGIO MURILO CORDEIRO, LUIZ ROGÉRIO DA SILVA, JOSÉ ROBERTO GIACOMOSSI, DJONATHAN DESIDÉRIO, SEBASTIÃO CARLOS DOS SANTOS, GUILHERME SCHEOPPING SANTOS, CARLOS EDUARDO SCHEOPPING SANTOS, RICARDO AUGUSTO PINHEIRO, ADEMILSON PAULINO SOARES, IDEIA TREINAMENTO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA LTDA – ME (INSTITUTO IDEIA), V&V VEREADORES E VEREADORAS DO BRASIL LTDA. ME (V&V VEREADORES E VEREADORAS DO BRASIL) e PHD CONSULTORIA E ASSESSORIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA LTDA. – ME (PHD CONSULTORIA E ASSESSORIA).

Para fundamentar a sua pretensão, assentou que, entre os anos de 2013 e 2015 os réus, ex-Presidentes da Câmara Legislativa de Tijucas, agentes públicos e particulares, integraram uma organização voltada à prática de atos de improbidade administrativa, simulando a realização de cursos de capacitação e treinamento na cidade de Curitiba/PR. Tais cursos eram criados com a finalidade de viabilizar o pagamento de taxas de inscrições às empresas demandadas, assim como o recebimento de diárias pelos agentes públicos e políticos envolvidos. Desta feita, a prática dos referidos atos de improbidade culminou no enriquecimento ilícito às custas do erário aos servidores, aos empresários e às empresas envolvidas.

Diante desse cenário, lastreado na violação do direito público em detrimento do privado, o Ministério Público requereu, liminarmente: a) a indisponibilidade dos bens de todos os requeridos; tomando-se por parâmetro a quantia suficiente a garantir o ressarcimento ao erário e o perdimento de bens e valores acrescidos ilicitamente, ressalvado montante razoável para a subsistência própria e da família; b) a expedição de mandados judiciais aos Cartórios de Registros de Imóveis desta Comarca e às Corregedorias-Gerais da Justiça dos Tribunais de Justiça de Santa Catarina e do Paraná, para que comuniquem todos os cartórios de registros imobiliários do respectivo Estado, objetivando a averbação da indisponibilidade dos bens imóveis de que os Requeridos forem titulares; c) a expedição de ofício ao Departamento de Trânsito de Santa Catarina e do Paraná, determinando que averbem nos registros de titularidade dos Requeridos a indisponibilidade de seus automóveis e/ou utilização do sistema RENAJUD; d) a expedição de ofício à Comissão de Valores Mobiliários, para que averbe a indisponibilidade das ações mercantis de que forem titulares os requeridos; e, e) proibição das empresas Instituto Ideia, V&V Vereadores & Vereadoras do Brasil LTDA e PHD Consultoria e Assessoria da Administração Pública LTDA, bem como dos seus representantes legais e colaboradores Sebastião Carlos dos Santos, Guilherme Scheopping Santos, Carlos Eduardo Scheopping Santos, Ricardo Augusto Pinheiro e Ademilson Paulino Soares de contratarem com o Poder Público, nos termos do art. 12 da Lei n. 8.429/92 e art. 87, III e IV, da Lei n. 8.666/93 c/c CPC/15, comunicando-se a decisão ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), à Federação dos Municípios Catarinenses (FECAM), ao Exmo. Sr. Governador do Estado de Santa Catarina e do Paraná, aos Presidentes dos Tribunais de Contas Estaduais de Santa Catarina e do Paraná, à representação da Advocacia-Geral da União no Paraná e em Santa Catarina, para ciência e comunicação a todas as unidades administrativas que a eles sejam vinculados.

Deferido o pedido liminar, foi determinada a notificação dos réus para o oferecimento de manifestação preliminar, nos termos do art.17, §7º da Lei n.8429/92.

Os réus ROBERTO (evento 193), DJONATHAN (evento 199), EDER (evento 214), GUILHERME (evento 299), SEBASTIÃO (evento 299), CARLOS (evento 299), ADEMILSON (evento 299) e RICARDO (evento 300) ofereceram defesa, enquanto LUIZ ROGÉRIO DA SILVA e SÉRGIO MURILO CORDEIRO, apesar de devidamente notificados e de se manifestarem em oportuidades anteriores nos autos por intermédio de advogados constituídos, não apresentaram defesa prévia.

Quanto às rés PHD CONSULTORIA E ASSESSORIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA LTDA. ME, V&V VEREADORES E VEREADORAS DO BRASIL LTDA. ME e IDEIA TREINAMENTO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA LTDA ME, notificadas por edital, apresentaram defesa prévia por meio de Curadores Especiais, nos eventos 341, 346 e 374 respectivamente

Com vista dos autos, o Ministério Público rebateu as defesas preliminares e ratificou os pedidos iniciais (Evento 384).

Fundamento e decido acerca do recebimento da inicial.

1 – INCIDÊNCIA DA LEI N.14.230/2021

Não obstante a mudança na Lei de Improbidade Administrativa, efetuada pela Lei 14.230/2021, verifico que os réus desta demanda foram apenas “notificados” e apresentaram “manifestação prévia”, o que torna necessário o recebimento da inicial, conforme os moldes da legislação anterior. E oportunizando-se futuramente a apresentação da peça contestatória.

Destaca-se que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n. 843.989/PR  (Tema 1199/STF), na data de 18/08/2022, sobre retroatividade da Lei de Improbidade Administrativa, fixando as seguintes teses de repercussão geral (grifou-se):

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

1.1 O entendimento expressado pelo STF é claro, assim, não se verificou a ocorrência de qualquer espécie de prescrição, considerando que o marco temporal é a publicação da novel legislação.

1.2 No que se refere à tipificação da conduta e o elemento subjetivo, por se tratarem de questões relativas ao mérito da ação, serão analisadas ao final desta decisão, após a apreciação das preliminares levantadas pelos réus.

2- DAS DEFESAS PRELIMINARES (REQUERIDOS ROBERTO JOSÈ GIACOMOSSI, DJONATHAN DESIDÉRIO, SEBASTIÃO CARLOS DOS SANTOS, ADEMILSON PAULINO SOARES, CARLOS EDUARDO SCHEOPPING SANTOS E GUILHERME SCHEOPPING SANTOS, RICARDO AUGUSTO PINHEIRO)

Analisando-se as defesas apresentadas, observa-se que os réus não levantaram nenhuma das preliminares relacionadas no art.337 do CPC. Suas alegações tratam de defesa de mérito, cujo exame se dará, propriamente, após a instrução probatória do feito.

3 – DA DEFESA PRELIMINAR DO REQUERIDO EDER MURARO

3.1 Da preliminar de ausência de condições da ação e pressupostos processuais. 

Sustentou o requerido Eder Muraro que o feito deve ser extinto sem julgamento de mérito ao argumento de que estão ausentes as condições da ação e os pressupostos processuais, já que o Ministério Público teria ajuizados duas ações distintas – ação civil pública e ação por improbidade administrativa – em uma só.

Em primeiro lugar,  a aferição das condições da ação deve ocorrer in status assertionis, ou seja, à luz das afirmações feitas pelo autor (Teoria da Asserção) (Nesse sentido: TJSC, Agravo de Instrumento n. 4035624-72.2018.8.24.0000, de Chapecó, rel. Des. Vilson Fontana, Quinta Câmara de Direito Público, j. 19-09-2019).

No que se refere ao interesse de agir (pressuposto processual), Elpídio Donizetti, esclarece: […] relaciona-se com a necessidade ou utilidade da providência jurisdicional solicitada e com a adequação do meio utilizado para obtenção da tutela. Em outras palavras, a pretensão jurisdicional solicitada em cada caso concreto deverá ser necessária e adequada (Donizetti, Elpídio. Curso de direito processual civil. 16 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2012)

A necessidade do ajuizamento da demanda é evidente: em inquérito civil instaurado pelo órgão do Ministério Público (legitimado ativo conforme se verá adiante), constatou-se a presença de fortes indícios da prática de atos de improbidade que importaram não apenas em enriquecimento ilícito de agentes públicos, que agiram em conluio com particulares, como também em grande prejuízo ao erário municipal. Isso sem falar nas condutas dos agentes, que visivelmente infringiram os princípios basilares da Administração Pública.

Assim, somente com o ajuizamento da Ação civil de Improbidade Administrativa é que se poderá apurar as condutas atribuídas aos réus e sancioná-los devidamente, se for o caso.

No mais, não há incompatibilidade entre as ações, haja vista que a ação civil pública é a via adequada para repressão de atos de improbidade.

A vedação do artigo 1º , parágrafo único da Lei 7.347 /1985 não inibe a propositura de Ação Civil Pública quando esta visa antes coibir lesão ao patrimônio público oriunda de atos de improbidade que importem em subtração de recursos do Erário.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que a ação civil pública é o instrumento adequado para as demandas relativas aos atos de improbidade administrativa, o que foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme ementa que segue:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATO DE IMPROBIDADE. DOMICÍLIO FISCAL FICTÍCIO. EVASÃO FISCAL. PREJUÍZO AO ERÁRIO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 279 DO STF. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AGRAVO DESPROVIDO. […] I – A existência de indícios da prática de ato de improbidade já é suficiente para que seja recebida a inicial e processada a ação que tem por fundamento ato de improbidade administrativa. II – Segundo entendimento do STJ, a ‘Ação Civil Pública é via adequada para demandas relativas à improbidade administrativa’. III – É inquestionável a legitimidade do Ministério Público para promover o inquérito civil, inclusive a fim de investigar possível prática de ato de improbidade administrativa, sendo desnecessária a observância do contraditório e da ampla defesa, posto ser mero procedimento informativo. […] 4. In casu, o acórdão proferido pela 1ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia restou assim ementado: ‘Ação civil pública. Aplicação da Lei n. 8.429/92. Agente político. Ato de improbidade. Competência. Poder Judiciário. Desvio de verba pública. Aplica-se a Lei de Improbidade aos agentes políticos, os quais devem ser responsabilizados no caso da prática de ato ímprobo. É cabível o controle, pelo Judiciário, do ato administrativo emanado de agente político. Configura-se ato de improbidade a conduta do agente político que, aproveita da verba pública para custear a remuneração dos funcionários que prestavam serviços à associação beneficente. (STF – ARE: 944453 MG – MINAS GERAIS 0432742-24.2005.8.13.0188, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 29/02/2016, Data de Publicação: DJe-040 03/03/2016).

Assim, rejeito a preliminar.

3.2 – Da preliminar de ilegitimidade ativa

Alega, ainda, a defesa técnica do requerido Eder a ilegitimidade ativa do Ministério Público para propor a ação, requerendo a extinção do feito sem julgamento do mérito. Em síntese, repete que o Ministério Público utilizou do instituto previsto na Lei n. 7.347/85 mesmo sem a presença de qualquer interesse difuso ou coletivo a ser tutelado.

Conforme anteriormente mencionado, a Ação Civil Pública é a via adequada para apurar e punir condutas que ferem a probidade administrativa. Ademais, é inquestionável a legitimidade do Ministério Público para promover o inquérito civil, e consequentemente para ajuizar a ação civil pública, para a defesa do patrimônio público, nos termos do art.129, III da CF/8,  art.1º, VIII c/c art.3º e art.5º,I da Lei n.7347/85, e especificamente para a ação civil pública por ato de improbidade administrativa conforme art.17 da Lei n.8429/92

Neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – SÚMULA 329 DO STJ – INDÍCIOS SUFICIENTES DA EXISTÊNCIA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – RECEBIMENTO DA INICIAL – ART. 17, § 8º, DA LEI 8.429/91 – AGRAVO IMPROVIDO. I – A ofensa ao patrimônio público constitui sempre ofensa a interesse coletivo. Logo, o Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando o ressarcimento do dano causado ao Erário, por ato de improbidade, por afetar interesse coletivo. II – “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público” (Súmula 329 do STJ). III – “A Ação Civil Pública é via adequada para demandas relativas à improbidade administrativa. Precedentes do STJ.” (STJ, REsp 944.555/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, unânime, DJe de 20/04/2009). IV – Os autos trazem indícios da prática de improbidade administrativa […], r após o exame aprofundado de provas, colhidas e a colher, na fase instrutória ( TRF-1 – AI: 00288452820104010000, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 19/07/2011, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 21/10/2011).

Ademais,  a Sumula n. 329, do Superior Tribunal de Justiça, estabelece expressamente que  “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público.

Assim, rejeito a preliminar.

3.3 Da nulidade do inquérito civil

Ainda preliminarmente sustenta a defesa técnica do requerido a nulidade do Inquérito Civil n. 06.2015.00003375-0, por violação ao devido processo legal, argumentando que Eder Muraro não foi notificado no referido procedimento administrativo.

 Melhor sorte não lhe socorre.

Em primeiro lugar, registro que a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça sedimentou-se no sentido de que as provas trazidas no bojo do inquérito civil público têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório.

Assim, o que se apura em um inquérito civil não tem força probatória suficiente para (sozinho) conduzir à convicção do julgador acerca de determinada matéria, uma vez que se trata de prova indiciária que exige confirmação no curso do processo, franqueando-se às partes o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Na lição de Hugo Nigro Mazzilli, “inquérito civil é o instrumento administrativo de cunho investigatório e inquisitivo utilizado e presidido pelo Ministério Público. O que se pretende com esta peça e somar elementos de indícios para a atuação processual ou extraprocessual” (MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil e o poder investigatório do Ministério Público. In: Ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. Coord. Edis Milaré. São Paulo: RT, 2005)

De qualquer forma, conforme demonstrado pelo autor da ação, foi expedido extrato de instauração do Inquérito Civil n. 06.2015.00003375-0 publicado em Diário Oficial do Ministério Público e, ainda, realizada a cientificação do requerido, que à época era Presidente da Câmara de Vereadores de Tijucas-SC acerca dos atos investigados.

Como se pode verificar, a cientificação do réu Eder Muraro se deu por meio do Ofício n. 0080/2015/01PJ/TIJ (evento 4, anexo 26-27), sendo que inclusive o requerido apresentou resposta, fornecendo informações quanto ao procedimento adotado pela respectiva Casa Legislativa na elaboração das prestações de contas entregues pelos servidores, no que tange ao pagamento das diárias aos servidores da Câmara de Vereadores de Tijucas (evento 4, anexo 33-35).

Ademais, o requerido Eder Muraro já possuía conhecimento acerca da Notícia de Fato n. 01.2015.00004850-9, que posteriormente evoluiu para o referido Inquérito Civil.

Assim, rejeito a alegação.

3.4. Da nulidade da prova emprestada

Por fim, ainda preliminarmente, pugnou a defesa técnica do requerido Eder pelo reconhecimento da nulidade da prova emprestada, referente ao conjunto probatório coletado por meio do Inquérito Policial n. 64/2015, argumentando que tal proceder fere o princípio do contraditório.

A preliminar, todavia, não se sustenta.

Conforme se observa dos autos, o Inquérito Civil instaurado pelo autor da ação não desrespeitou os artigos 14 a 18 e 22 da Lei nº 8.429/1992, na medida em que consiste em instrumento privativo do Ministério Público, com caráter puramente investigativo, destinado, tão somente, à obtenção de elementos tangíveis que possam servir de lastro à ação civil pública, e, justamente por isso, não se sujeita aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Trata-se, pois, de “procedimento administrativo no qual não incide o contraditório, por não veicular qualquer tipo de acusação nem buscar a composição de conflitos de interesse” (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 3ª ed., 2ª tir., Rio de Janeiro: Lumen Juris:, 2006, p. 545)

Assim, a juntada do Inquérito Policial n. 64/2015 no bojo da presente ação não implica no reconhecimento de qualquer nulidade.

O Código de Processo Civil, em seu art. 372, estabelece que “o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.

Desse modo, acostadas a este feito as provas produzidas no inquérito policial, estão agora sendo submetidas (na instrução desta ação civil pública), ao contraditório judicial, de modo que, sobre elas, poderá a defesa se manifestar no momento oportuno.

4 – DA DEFESA PRELIMINAR DA REQUERIDA PHD CONSULTORIA E ASSESSORIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA LTDA. – ME

Preliminarmente, pugna a defesa pelo reconhecimento da nulidade da citação, uma vez que não terem sido esgotadas todas as diligências legais possíveis para a sua localização.

Todavia, o argumento não tem fundamento.

Para se chegar à citação editalícia é necessário atender aos requisitos do artigo 232 do Código de Processo Civil, dentre os quais está a afirmação do autor ou certidão do oficial de justiça quanto às circunstâncias previstas no artigo 231, incisos I e II, do mesmo Diploma Legal.

Neste particular, verifica-se que o Ministério Público diligenciou, por diversas vezes, em busca de possíveis endereços para notificação da requerida, sendo infrutíferas todas as tentativas.

Cumpre destacar, conforme informado no parecer ministerial, “em diligências junto aos órgãos especializados no combate ao crime organizado e aos sistemas de informação disponíveis a esta Promotoria de Justiça, constatou-se que o imóvel da referida empresa estava sendo utilizado como escritório de advocacia, sendo de responsabilidade de Sebastião Carlos dos Santos”.

Importa destacar que, conforme demonstrado na peça exordial, assim como nos elementos de cognição que a acompanham, o réu Sebastião Carlos Santos trata-se do representante da empresa.

Deste modo, expedida nova Carta Precatória de citação, mais uma vez restou infrutífera a notificação da requerida. Finalmente, sendo Sebastião Carlos dos Santos notificado por edital, não suprindo a notificação da requerida, assim como das demais empresas rés, este juízo também determinou a notificação da empresa ré por edital, na forma do art. 256, II, do CPC.

Desse modo, afasto a alegação de qualquer violação ao contraditório e à ampla defesa e consequentemente não há que se falar em nulidade da citação editalícia, porquanto observados os requisitos legais para que fosse ela adotada.

5 – DA DEFESA PRELIMINAR DA REQUERIDA V&V VEREADORES E VEREADORES DO BRASIL LTDA

5.1 Da nulidade da citação por edital

Sustenta também o réu V&V a nulidade da citação por edital.

 Todavia, não lhe assiste razão.

Verifica-se, no caso dos autos, que foram atendidos os requisitos do art. 232 do CPC, mormente as diversas diligências realizadas pelo Ministério Público   em busca de possíveis endereços para promoção da notificação da requerida, restando porém todos os esforços infrutíferos.

Destaca-se das informações prestadas pelo autor da ação que “em diligência junto aos órgãos especializados no combate ao crime organizado e aos sistemas de informação disponíveis ao Ministério Público, constatou- se que a ré fora voluntariamente liquidada.”

Desse modo, foi também requerida – e realizada – sua notificação na pessoa de Sebastião Carlos Santos, então administrador da ré na época dos fatos.

Não obstante, a notificação desse também não se perfectibilizou, recorrendo, então, finalmente, à notificação das requeridas por edital, tudo conforme previsão legal.

5.2 Da prescrição

Ao final de sua defesa, a ré afirma, em suma, que a presente ação se encontra prescrita, tendo em vista ter sido proposta em março de 2017, findando o prazo prescricional em janeiro de 2018, antes de sua citação válida.

De plano, verifica-se que não está configurada qualquer hipótese de prescrição no caso dos autos. Isso porque, o ajuizamento da Ação Civil de Improbidade Administrativa, aliado à regular citação da requerida, resulta na interrupção do lapso prescricional.

Com efeito, conclui-se, na melhor interpretação do art. 23, inciso I, da Lei n. 8.429/92, que a prescrição da pretensão condenatória se interrompe, de fato, com o mero ajuizamento da ação dentro do prazo de cinco anos.

Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, colhe-se no que couber:

 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO QUE AFASTOU A PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO E RECEBEU A INICIAL. AÇÃO PROPOSTA DENTRO DO PRAZO DE CINCO ANOS, PORÉM SOMENTE RECEBIDA APÓS EMENDA À INICIAL. IRRELEVÂNCIA. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO NAS IMPUTAÇÕES FEITAS AO AGRAVANTE. CITAÇÃO VÁLIDA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO QUE RETROAGE À DATA DA PROPOSITURA DA AÇÃO. “[…] dúvida não há de que, efetuada a citação válida, o marco interruptivo da prescrição retroage à data de propositura da ação e de que, na espécie, a efetuação da emenda não resultou em adição de novos fatos ou elementos de prova que modificassem as imputações já veiculadas. […]” (AgInt no REsp 1746781 / PE, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 25.05.2020)

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INSTITUTO QUE NÃO POSSUI PREVISÃO NA LEI N. 8.429/92, NEM ENCONTRA GUARIDA NA JURISPRUDÊNCIA. PRECEDENTES DESTA E DA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. “O STJ, interpretando o art. 23 da LIA, que regula o prazo prescricional para a propositura da ação de improbidade administrativa, já consolidou entendimento no sentido de que não se mostra possível decretar a ocorrência de prescrição intercorrente nas ações de improbidade administrativa, porquanto referido dispositivo legal somente se refere a prescrição quinquenal para ajuizamento da ação, contados do término do exercício do mandato, cargo em comissão ou função de confiança. Precedente: REsp 1.218.050/RO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 20/9/2013.” (AgInt no AREsp 962059 / PI, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 25.04.2017)

No caso dos autos, conforme bem explicado pelo órgão ministerial: “ao caso em baila, é de se concluir que não houve a prescrição, porquanto incidindo a requerida na hipótese do art. 23, inciso III, da Lei n. 8.429/92, sendo os atos ímprobos aludidos no mérito da demanda iniciados no ano de 2013, com a aludida prestação de contas final, a presente demanda fora ajuizada no ano de 2017. Respeitando-se, assim, o prazo quinquenal.”

Assim, não configurada qualquer hipótese de prescrição da pretensão punitiva.

6 – DA DEFESA PRELIMINAR DA REQUERIDA IDEIA TREINAMENTO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA LTDA

Em sua manifestação preliminar, alegou a ré sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que a empresa Ideia Treinamento da Administração Pública LTDA inexiste de fato e de direito, devendo, portanto, a ação prosseguir tão-somente contra a pessoa jurídica sucessora ou sócios.

Razão não assiste à ré.

A simples baixa da pessoa jurídica nos registros da Junta Comercial e da Receita Federal não ensejam a extinção de empresa, e consequentemente não implicam na sua exclusão do polo passivo da Ação Civil de Improbidade Administrativa.

Conforme apontado na inicial e demonstrado pelos documentos que a acompanham, os supostos atos ímprobos estão devidamente descritos e foram praticados pela empresa quando encontrava-se em plena e inequívoca atividade.

A propósito, consoante ressaltado pelo órgão ministerial, “com fulcro na Instrução Normativa da Receita Federal n. 1.863/2018, especificamente em seu artigo 34, que dispõe acerca da possibilidade de restabelecimento da pessoa jurídica com inscrição baixada, verifica-se que a ausência de eventual sanção vinculada ao seu CNPJ a tornaria apta a novamente contratar com o Poder Público.”

Outrossim, diante do conjunto probatório trazido com a inicial, há fortes indícios de que Sebastião Carlos dos Santos exercia o poder de comando da estrutura ordenada, sendo o responsável de fato pelas empresas requeridas, as quais eram formalmente representadas pelos também demandados Guilherme Scheopping Santos e Carlos Eduardo Scheopping Santos, com auxílio na empreitada delituosa por Ricardo Scheopping dos Santos, os quais também integram o polo passivo da presente demanda.

Portanto, neste momento processual, não é relevante sua efetiva existência, mas sim a vinculação de seu CNPJ às eventuais sanções aplicáveis às pessoas jurídicas no caso de sua condenação.

7 – TIPIFICAÇÃO DAS CONDUTAS E ELEMENTO SUBJETIVO 

Observa-se que na inicial o Ministério Público indicou que os réus teriam praticado condutas capazes de configurar 3 espécies distintas de atos improbidade administrativa: art.9º, XI, art. 10, incisos I e IX, art.11, caput, e inciso I, todos na forma do art.3º da LIA.

No que se refere aos atos que importaram em enriquecimento ilícito, assim dispõe o art.9º, XI, da Lei n.8.429/92:

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

[…]

XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

Do mesmo modo, no que se refere aos atos que importaram em dano ao erário, assim dispõe o art. 10, incisos I e IX, da Lei n.8429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

I – facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

[…]

IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

Pelo que se denota do caput dos artigos 9º e 10º, a mudança legislativa excluiu a caracterização da conduta mediante culpa, sendo necessária a presença do dolo, mas manteve o termo “e notadamente”, indicando que o rol é exemplificativo, não havendo que estar descrito necessariamente, a conduta do réu, em uma daquelas prescrições dos incisos do supramencionado artigo.

A respeito explica a doutrina de Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

Isso porque o art. 10 da LIA apresenta rol exemplificativo de condutas nos seus incisos, especialmente pela utilização da expressão “notadamente” no seu caput, tal como ocorre no art. 9º da LIA. Desse modo, a aplicação do art. 10 da LIA pressupõe a efetiva demonstração da lesão ao erário, o dolo do agente público e o nexo de causalidade, independentemente da conduta do acusado se amoldar exatamente às condutas descritas nos incisos. (Comentários à reforma da lei de improbidade administrativa: Lei 14.230, de 25.10.2021 comentada artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2022).

Quanto ao art.3º da Lei 8429/92, que diz respeito à conduta acessória daquele que participa ou contribui para o ato ilícito, sua redação também foi alterada para que constasse expressamente a menção relativa ao dolo do agente na prática da conduta:

 Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade.        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

Pois bem.

Em análise da peça vestibular, constata-se que o autor da ação cuidou de descrever minuciosamente as condutas praticadas, como também imputou-as a todos os réus que figuram no polo passivo da demanda, sendo despiciendo que nesta decisão se transcreva a integralidade delas.

Mostra-se, assim, suficiente que se ressalte que o elemento subjetivo exigido para a prática dos referidos atos de improbidade adminstrativa foram expressamente apontados pelo órgão ministerial, como se vê das transcrições que seguem.

No que se refere aos atos que importaram em enriquecimento ilícito, (art.9º, XI, da Lei n.8.429/92):

“[…]

Dessa forma, os valores recebidos e incorporados aos seus patrimônios pessoais, seja por autorização própria, seja por autorização de outro Presidente requerido [caso em que são beneficiários dos atos (art. 3º)] os demandados LUIZ ROGÉRIO DA SILVA, SÉRGIO MURILO CORDEIRO, JOSÉ ROBERTO GIACOMOSSI, EDER MURARO, SEBASTIÃO CARLOS DOS SANTOS, GUILHERME SCHEOPPING SANTOS, CARLOS EDUARDO SCHEOPPING SANTOS, RICARDO AUGUSTO PINHEIRO, ADEMILSON PAULINO SOARES (NEQUINHA)4 E DJONATAN DESIDÉRIO totalizaram o montante de R$ 168.690,00 (cento e sessenta e oito mil, seiscentos e noventa reais) do total de R$ 545.310,00 (quinhentos e quarenta e cinco mil, trezentos e dez mil reais) desviados dos cofres públicos durante os anos de 2013 a 2015 a partir dos atos de improbidade aqui apurados, conforme tabelas abaixo […]

Veja-se que o dolo dos demandados é evidente, uma vez que, conforme amplamente provado através dos documentos acostados aos presentes autos, participavam todos de grande esquema direcionado à prática de atos de improbidade administrativa que tinham por objetivo obter, direta ou indiretamente vantagens financeiras para seus integrantes e para terceiros, praticando, portanto, atos de improbidade administrativa que importaram enriquecimento ilícito próprio e de terceiros [seja se enriquecendo diretamente (caso do desvio para si), seja concorrendo para o enriquecimento dos demais (caso do desvio para os outros aqui demandados), seja se beneficiando dos atos (no caso de autorizações realizadas por outro dos demandados).” (Evento 1, PET1, fls.42 e 45) (grifo nosso)

No que se refere aos atos que importaram em dano ao erário (art. 10, incisos I e IX, da Lei n.8429/92):

“[…]

No caso dos autos, os demandados LUIZ ROGÉRIO DA SILVA, SÉRGIO MURILO CORDEIRO, JOSÉ ROBERTO GIACOMOSSI e EDER MURARO, na função de Presidentes da Câmara dos Vereadores de Tijucas, ao autorizarem a concessão de diárias a outros agentes públicos e o pagamento de taxas de inscrição às empresas – e aos representantes dessas, por consequência –, possibilitaram que houvesse o enriquecimento ilícito de terceiros.

A lesão ao erário decorre do fato de que foram despendidos valores dos cofres públicos relacionados a taxas de inscrição e diárias para cursos e treinamentos que nunca existiram, pois, conforme apurado, tratava-se de artimanha articulada por meio de criminoso esquema a fim de possibilitar o desvio de recursos dos cofres públicos, incorporando-o ao patrimônio de particulares e outros agentes públicos.

Nesse passo, os requeridos SEBASTIÃO CARLOS DOS SANTOS, GUILHERME SCHEOPPING SANTOS, CARLOS EDUARDO SCHEOPPING SANTOS, RICARDO AUGUSTO PINHEIRO, ADEMILSON PAULINO SOARES (NEQUINHA), DJONATAN DESIDÉRIO e as empresas INSTITUTO IDEIA, V&V VEREADORES & VEREADORAS DO BRASIL LTDA e PHD CONSULTORIA E ASSESSORIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA LTDA. respondem também pelos mesmos atos de improbidade administrativa, conforme o art. 3º da Lei n. 8.429/1992, na medida em que concorreram e se beneficiaram de sua prática.

Em relação a todos, pois, o dolo é evidente, de modo que devem ser responsabilizados na medida de sua culpabilidade.”

No mais, a questão da prática de ato com intenção dolosa (ou não) é também atinente ao mérito e será analisada no decorrer da instrução processual, porém, em uma análise “sumária” é possível admitir que os réus agiram com manifesta aquisciência dos resultados de suas condutas, isto é, cientes do benefício financeiro que estavam auferindo e do prejuízo ao erário que estavam causando ao promover cursos e treinamentos simulados e fictícios, criados e montados com o único propósito de viabilizar o pagamento das taxas de inscrições às empresas e o recebimento de diárias pelos agentes públicos envolvidos.

Não é demais ressalvar que a reforma promovida pela Lei 14.230/2021 é no sentido de que “a mera ilegalidade não se confunde com a improbidade administrativa”. Inclusive, porque a nova redação do caput do art. 10 menciona que configura ato de improbidade que cause lesão ao erário a “efetiva e comprovada” perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens.

Sobretudo, nesta fase processualimpera o “in dubio pro societate”, salvaguardando-se o interesse público, enquanto não suficientemente comprovada a lisura dos atos praticados, a inexistência de dolo ou o efetivo prejuízo patrimonial causa à Administração Pública.

Todavia, conclusão diversa se chega no que se refere à conduta prevista no art.11, inciso I, da Lei n.8429/92, que anteriormente às alterações promovidas pela Lei n° 14.230 de 2021, tinha a seguinte redação:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: 

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; 

[…].

A conduta em questão configurava a violação aos princípios da Administração Pública em razão dos incisos elencados no referido dispositivo legal.

No entanto, o inciso I foi totalmente revogado e, ainda, alterado o caput para se substituir a expressão “e notadamente” para “caracterizada por uma das sguintes condutas”, o que tornou o rol taxativo e não mais meramente exemplificativo, como anteriormente era considerado pela doutrina.

Assim ficou a atual redação:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

I – (revogado);         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

A respeito, explica a doutrina de Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

Uma novidade relevante foi a alteração do caput do art. 11 da LIA para destacar que a configuração da improbidade, nesse caso, depende da caracterização de uma das condutas descritas nos seus incisos.

Em outras palavras: não obstante a nomenclatura utilizada pelo legislador (“ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública”), a “mera” violação aos princípios da Administração Pública não ensejara improbidade administrativa.

Em sua redação originária, o caput do art. 11 da LIA utilizava a expressão “notadamente”, que também constava (e ainda consta) nos arts. 9º e 10 da LIA. Ocorre que a reforma introduzida pela Lei 14.230/2021 suprimiu a citada expressão no dispositivo legal e inseriu no seu lugar a expressão “caracterizada por uma das seguintes condutas”.

A alteração legislativa não é singela. Ao revés, restringe a aplicação do art. 11 da LIA às condutas descritas taxativamente nos seus incisos, sendo insuficiente a violação aos princípios da Administração Pública para caracterização da improbidade administrativa. A ausência da improbidade, é oportuno destacar, não afasta, naturalmente, a aplicação de sanções disciplinares aos agentes públicos envolvidos.

A intenção de descaracterizar a improbidade por violação genérica ao princípio da legalidade pode ser verificada, ainda, pela revogação de alguns incisos do art. 11 da LIA, tais como os incisos I (“praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”) e II (“retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”).

Outras condutas também deixaram de ser consideradas ímprobas, em razão da revogação dos incisos IX (“deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação”) e X (“transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990”).

Com a revogação dos mencionados incisos e a partir da taxatividade das condutas descritas nos incisos do art. 11 da LIA, com a reforma introduzida pela Lei 14.230/2021, revela-se possível a retroatividade da lei mais benéfica para impedir a continuidade das ações de improbidade administrativa ou para desfazer as condenações judiciais por improbidade com fundamento nos incisos agora revogados. (Comentários à reforma da lei de improbidade administrativa: Lei 14.230, de 25.10.2021 comentada artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2022).

O ente ministerial clamou para que não fosse reconhecida a irretroatividade da nova legislação.

Entretanto, recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n. 843.989/PR  (Tema 1199/STF), na data de 18/08/2022, sobre retroatividade da Lei de Improbidade Administrativa, fixando a seguinte tese de repercussão geral, no que pertinente à questão ora discutida (grifou-se):

[…]

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 

O entendimento expressado pelo STF é claro: as disposições da Lei n. 14.230/21, ainda que mais benéficas, não retroagem para prejudicar o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Todavia, aplicam-se imediatamente aos processos em curso, como é o caso do processo em voga.

Destarte, conforme já explicitado, a modificação do tipo de improbidade administrativa, excluindo de sua qualificação série indeterminada de condutas, é norma de direito material mais benéfica a quem agiu daquela maneira que não mais pode ser tachada de improbidade, porque não se amolda ao novo rol taxativo.

A redação atual do art. 11 da LIA, portanto, deve retroagir para isentar de responsabilização todos aqueles que respondem a imputações de condutas que não mais podem ser enquadradas naquele (ou em outro) tipo.

Sendo assim, ainda que porventura fosse verdadeira a imputação deduzida pelo Ministério Público contra os requeridos  Requerido – de que praticaram condutas que violaram nitidamente os princípios do regime jurídico administrativo, notadamente o da legalidade e o da moralidade – não se está mais diante de ato que possa ser qualificado como improbidade administrativa (fato atípico), porque a legislação agora exige que a violação aos princípios deva ser caracterizada por alguma das condutas narradas nos incisos do art. 11 da Lei n. 8.429/1992, dentre as quais não se encontra “praticar fato proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”.

Em outras palavras, ainda que se possa questionar a legalidade da conduta (que, inclusive, pode ser punida administrativamente), não há que se falar em improbidade administrativa, por ausência de previsão legal.

A fim de concluir, cumpre esclarecer que não é o caso de extinção do processo por perda superviente do objeto ou ausência de interesse de agir, pois a conduta do Requerido não deixou de existir. Dito de outro modo, operou-se mudança legislativa que deixou de considerar improbidade administrativo este tipo de conduta, de modo a não ser possível a subsunção dos fatos à norma legal, sendo o caso, então, de proferir sentença de mérito, reconhecendo-se a improcedência dos pedidos expostos na peça vestibular, pois a conduta perpretrada pelo requerida não se configura como ato de improbidade administrativa.

No tocante ao tema, esclarecem Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira (grifou-se):

Não posso afirmar se a opção por se valer do termo “rejeição” ao invés do termo “indeferimento” tenha sido consciente, o que, entretanto, não me impede de elogiá-la. Isso porque indeferimento da petição inicial é a rejeição terminativa do processo antes da citação do réu, e o dispositivo ora comentado prevê uma hipótese de rejeição com julgamento de mérito, com a rejeição do pedido do autor. Afinal, quando o juiz se pronuncia no sentido de manifestamente inexistir o ato alegado pelo autor, está considerando manifestamente improcedente a pretensão do autor, nos termos do art. 487, I, do CPC. (Comentários à reforma da lei de improbidade administrativa: Lei 14.230, de 25.10.2021 comentada artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2022).

Assim, conforme a legislação em questão, recebida a manifestação, o juiz, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita (art. 17, § 6º-B, da Lei 8.429/92).

8 – Diante do exposto:

8.1 RECEBO a presente ação civil por ato de improbidade administrativa no que se refere à imputação pela prática das condutas tipificadas no art.9º, inciso XI e art. 10, incisos I e IX, ambos também na forma do art.3º, todos da Lei n.8429/92.

8.2 REJEITO a ação no que se refere à imputação pela prática da conduta tipificada no art.11, inciso I da anterior redação da Lei n.8429/92, na forma do art.17, §6-B da referida lei (conforme redação dada pela Lei n.14.230/21).

8.3 Citem-se os réus (art. 17, § 7°, da LIA) para, querendo, apresentarem resposta no prazo legal, ou ratificarem a defesa preliminar já apresentada nos autos.

Expeça-se carta precatória, caso necessário.

8.4 Intime-se o Município de Tijucas para, querendo, intervir no feito (art. 17, § 14, da LIA).


Documento eletrônico assinado por MONIKE SILVA POVOAS NOGUEIRA, Juíza de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310020664207v48 e do código CRC 91eec818.

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Signatário (a): MONIKE SILVA POVOAS NOGUEIRA
Data e Hora: 29/9/2022, às 14:56:29

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