Não é possível negociar com a natureza

Iceberg na Groenlândia: aquecimento global  terá consequências dramáticas para os oceanos

Iceberg na Groenlândia: aquecimento global terá consequências dramáticas para os oceanos JONATHAN NACKSTRAND / AFP

Os últimos oito anos foram os mais quentes registrados na História do planeta. Em 2022, a temperatura média global alcançou 1,15 °C acima da era pré-industrial. Os desastres naturais se multiplicam, e as tempestades são mais intensas e frequentes.

A última edição do Living Planet Report explicita a conexão entre as crises da biodiversidade e do clima, bem como seus impactos socioambientais, constatando grande número de espécies à beira da extinção, enquanto as temperaturas globais continuam aumentando. As regiões tropicais são as mais afetadas, com queda de 94% das populações de animais selvagens monitoradas na América Latina e no Caribe.

Cúpulas de negociação já não são suficientes. Precisamos da concretização das ações estabelecidas nos compromissos mundiais para proteger nosso planeta. Temos roteiros para isso. Além do Acordo de Paris, firmado na COP21, há o recente Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal, firmado na Conferência da Biodiversidade da ONU (COP15).

Neste último, a meta de conservação de 30% dos ecossistemas pode reduzir em 79% o débito de extinção de espécies, em 67% o impacto na integridade de ecossistemas e em 50% a vulnerabilidade de ecorregiões, além de armazenar cerca de 1.600 gigatoneladas de gás carbônico, se implementada em áreas prioritárias com base em critérios de biodiversidade e clima. Esse cenário representa uma otimização de 31% dos benefícios em biodiversidade e de 137% da mitigação das mudanças climáticas, em comparação com ações realizadas sem priorização espacial.

Assegurar que 30% dos ecossistemas restaurados sejam áreas de particular interesse para biodiversidade e clima pode reduzir em 45% as ameaças à biodiversidade, gerando benefício adicional de 41% em comparação a ações não otimizadas. Os benefícios e custos decorrentes das ações de restauração e conservação variam significativamente entre paisagens; portanto, o planejamento espacial potencializa os resultados positivos dessas ações.

Esse tipo de análise espacial, fornecida pela Plangea Web — plataforma de acesso gratuito do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) —, pode apoiar o planejamento integrado do uso da terra, subsidiando cientificamente a tomada de decisão na implementação do Marco Global da Biodiversidade e também no alcance das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) para redução de emissões, parte do Acordo de Paris.

O Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas e a compensar as emissões de gases de efeito estufa provenientes da supressão legal da vegetação até 2030. A fim de cumprir esse e outros compromissos e de orientar políticas sólidas, o país precisará de informação detalhada. Na Amazônia, essa abordagem multicritério identifica que restaurar apenas 10% das áreas prioritárias do bioma (cerca de 5,7 milhões de hectares) permitiria sequestrar até 2,6 bilhões de toneladas de gás carbônico da atmosfera — duas vezes o potencial de sequestro de carbono da restauração sem planejamento espacial.

Plataformas abertas, como a Plangea Web, democratizam conhecimentos de vanguarda para subsidiar o planejamento estratégico de políticas públicas e de iniciativas empresariais comprometidas com o desenvolvimento territorial e a gestão sustentável de cadeias de valor. Além da combinação de multicritérios, o planejamento espacial deve reconhecer e respeitar os direitos e a governança das comunidades locais e dos povos indígenas. Líderes mundiais, dos mais diversos segmentos da sociedade, devem vislumbrar a melhor forma de lidar com essa conjuntura, buscando a construção de um futuro justo e positivo para a natureza e para todos. As soluções baseadas na natureza oferecem o melhor caminho para essa transformação.

*Bruna Pavani, Paulo Branco e Rafael Loyola são colaboradores do Instituto Internacional para Sustentabilidade

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